É importante ao psicoterapeuta estar atento às desordens que surgem dentro do consultório. Essa boa observação capacitará o profissional a perceber uma certa similaridade nas desordens de distintos pacientes. O texto a seguir vai separar nove desordens que aparecem com certa frequência dentro dos consultórios. São três partes com três desordens em cada parte.
A primeira trinca de desordens são: vaidade, arrogância e ignorância.
Na vaidade, a busca incessante por aplausos aliada ao desvio da finalidade da vida, fazendo desta um eterno palco de aparências, cujo único objetivo é atrair olhares para si, desregula o paciente impedindo a expressão de uma autenticidade, sem a qual ele peca por omissão no caminho do aperfeiçoamento. O paciente vaidoso pode se sentir bem, mas como nos lembra santo Agostinho “vaidade não é grandeza, é inchaço. E o que está inchado, nunca é sadio”. O erro acontece porque a hierarquia dos bens não foi preservada. Sem esse resguardo, o paciente derruba os pilares de uma vida saudável para construir no lugar o edifício dos vícios.
No paciente vaidoso fica claro enxergar a relação ruim com a verdade, beleza e bondade. O vaidoso só enxerga o bem e faz se for para ser visto, logo, não há amor pelo bem e sim o uso do bem para alimentar a vaidade. Dessa forma o paciente não cresce em bondade. A verdade do vaidoso é sempre a imagem de si mesmo sendo admirada. Esta é a verdade absoluta do vaidoso. E por último, a relação com a beleza é sempre materialista. A pobreza do vaidoso vai correndo sua existência em uma vida com pouco brilho verdadeiro e muita simulação de brilho.
Recebendo o aplauso indevido pelos maus frutos provenientes do desregrado plantio, é possível ver o nascimento da arrogância (soberba). A certeza de si (equivocada autossuficiência) cresce cada vez mais, fazendo ele mesmo considerar-se a régua para absolutamente tudo. A partir da clássica definição dada por santo Tomás em relação à soberba que é “o apetite desordenado da própria excelência”, o paciente já não é uma pessoa como outra, mas algo além, que sequer foi definido pela humanidade tamanho o grau de importância e exclusividade que atribui a si. O paciente arrogante acredita em deus, mas a questão é que só existe um deus que é, na verdade, ele mesmo. É um paciente com extrema dificuldade de reconhecer os próprios erros e por isso é pessoa que está completamente iludida achando que está livre, mas é o maior escravo de todos.
No fim desta primeira trinca, o paciente desordenado é um profundo ignorante acerca do que é realmente relevante na vida humana, porque perdeu a inteligência em qualquer canto desprezando a busca pela verdade; e, com isso, não mais consegue apreciar o belo, mas somente o que o agrada sensivelmente. Considerando a máxima agostiniana “só se ama aquilo que se conhece”, o paciente só conhece a parte baixa de si mesmo e por isso se perde existencialmente porque o sentido da sua vida é sempre o próximo prazer a ser alcançado.
Na segunda trinca das desordens, vamos encontrar a passividade, ausência e frieza.
Na passividade, a falta de ação individual do paciente para resolver alguma coisa cuja solução depende só dela é o modus operandi do passivo. Incapaz de tomar decisões sozinho, acaba terceirizando a própria responsabilidade, tirando de si mesmo aquilo que só ele pode fazer. O passivo, direta ou indiretamente, odeia a verdade, porque quer viver na sucessão de mentiras que tenta sustentar por não assumir responsabilidade por nada. A psicoterapia com esse tipo de paciente é fazer o caminho pedagógico para que o paciente volte ou aprenda a tomar decisões boas dentro da própria vida. Um bom início é pensar em decisões em benefício do bem comum.
Na ausência, fruto direto da passividade, é a segunda desordem dessa segunda parte, porque se o paciente é passivo fugindo das responsabilidades, vai adquirir o vício da ausência. Basicamente, funciona assim: o paciente não vai estar presente onde deveria estar; e, consequentemente, não fará o que está sob sua responsabilidade. Há a ausência para atender ao chamado para a realidade. É ausente e não percebe isso em si mesmo, porque recusa, de forma consciente ou não, o chamado ao aperfeiçoamento. Não é de se estranhar que alguns pacientes que estão nessa ausência reclamam de solidão. Apesar da reclamação, não conseguem perceber que é uma desordem deles mesmos.
Como última consequência desta segunda trinca nasce a frieza. Os sentidos foram desordenados, então a frieza surge e se espalha para que nenhum sentimento saudável tenha espaço. Um ser de gelo não se compadece, não se desculpa, não se corrige, não se relaciona saudavelmente etc. Quando um paciente está nesse estado de desordem, é um ato ingênuo do profissional esperar um ato de bondade nascer de suas decisões ou movimentações. Se não houver esforço para se corrigir e ajudar a melhorar o paciente, uma eventual ação boa que se tornar pública será sempre acidente. Uma forma inicial de afastar a frieza é começar a trabalhar o valor das pessoas que estão em volta do paciente e na sua história.
Em se tratando de desordem, o paciente sempre pode piorar a sua condição. Cair em uma desordem e permanecer nela significa abrir as portas para outras desordens que se somarão às anteriores. As últimas três desordens, a indiferença, a esterilidade e o mau humor.
A indiferença faz com que o paciente fique apático aos acontecimentos à sua volta. Essa ausência de presença faz com que o paciente não tenha consideração pelo outro e pelos sentimentos alheios. O indiferente é incapaz de captar o outro, porque vive distante e isolado no seu estilo de morte. Estilo de morte pode ser compreendido aqui como um modo de viver em que o paciente vai desenvolvendo em si mesmo uma vida distante de ser uma pessoa boa.
A esterilidade acontece quando o paciente não é produtivo. Essa improdutividade marca o vazio nas relações e nos projetos. A vida não dá frutos porque falta uma personalidade presente. Geralmente está vinculada ao paciente que quer mais parecer ser do que ser.
O mau humor faz com que o paciente viva irritado e zangado. Se não há uma certa leveza no viver reconhecendo as belezas e alegrias do dia a dia, a vida passa a ser uma honraria aos problemas com a permanente apresentação de uma cara fechada e a disposição incansável para reclamar de tudo e todos.
Nessas três desordens, o paciente vai se cristalizando em uma vida oca e desperdiça o próprio viver enquanto atrapalha o viver alheio e desordena sua própria existência.
Essas desordens descaracterizam o paciente fazendo-o entrar no processo de despersonalização. Esta movimentação demonstra que quanto mais ele se mexe nas desordens, mais consumido por elas vai sendo. À medida que se soma as parcelas dessa perversa adição, subtrai-se a vida de forma contundente. Quanto mais despersonalizado um paciente é, mais impessoal são as suas ações no tempo e isso evidencia para o profissional o quão distante de si mesmo o paciente está.
A psicoterapia precisa ser um lugar de observação das desordens, acolhimento misericordioso do paciente e caminhar pedagógico para se livrar das desordens e ordenar a si mesmo.