Autora: Zelmira Seligmann
Tradução: Rafael de Abreu Ferreira
Para dar clareza a um tema tão discutido como o do conhecimento da verdade na psicologia, tratarei de mostrar como é o conhecimento na práxis psicológica no ato particular em si mesmo. Ou seja, como se conhece a personalidade no que hoje em dia chamamos psicologia, mas que tem um bem mais prático que interessa ao estudo do dinamismo psíquico e com a finalidade de ajudar as pessoas em determinadas situações da vida. Seria para ver que conhecimento se deve ter, para uma práxis adequada, ao fazer um psicodiagnóstico, psicoterapia, psicopedagogia, etc., ou seja, em tantas áreas em que a psicologia intervém hoje.
Desta maneira surgirá naturalmente a pergunta de como se constitui uma ciência – ou várias – com esses atos que são necessários para o verdadeiro conhecimento da psique.
Em primeiro lugar devemos dizer que o psicólogo deve ter conhecimento teórico de Teologia, princípios filosóficos sólidos, conhecimento de antropologia, metafísica e especialmente de ética e de gnoseologia. Muitos dos problemas estudados hoje em dia na psicologia coincidem com os temas clássicos da ética (como a lei, o fim das condutas, a busca da felicidade, bons e maus hábitos, a liberdade, as relações interpessoais: familiares e sociais, etc); e de gnoseologia, porque quase todas as correntes da psicologia contemporânea dependem do idealismo moderno, uma vez que receberam a influência principalmente do pensamento de Kant, como afirmam os estudiosos da História da Psicologia (especialmente R. Brennan O.P.).
Este conhecimento deve estar bem fundamentado, baseado na verdade e, por isso, Santo Tomás de Aquino é aqui o mais autorizado, porque contém/recorre toda a tradição teológica e filosófica, nos dá uma visão realista e completa do homem e de seus problemas mais profundos; de maneira que – ainda as patologias que podem ser consideradas modernas e que às vezes pensamos que são dadas apenas na atualidade porque aparecem no DSM V- se encontram estudadas pelo Aquinate e com a solução adequada e permanente (por exemplo: certas depressões, medos, desejos, raiva: suas causas, a patologia que engendra e sua cura, etc.)
O psicólogo do nosso tempo deve ter a capacidade de aconselhar e para isso deve conhecer na profundidade – ao menos teoricamente – a lei natural e as condutas ordenadas ou desordenadas em relação ao bem do homem, daquilo que o aperfeiçoa. Transgredir a lei natural sempre causa dano e promove as patologias psíquicas porque carrega uma penalidade e um sofrimento. É necessário ajudar a pessoa a escolher a vida virtuosa, que é o próprio da felicidade que todos buscam e é o princípio da saúde mental.
O psicólogo deve ter claro que o que é próprio do ser humano é passar pela indagação da razão ou deliberação. A maioria das pessoas que buscam ajuda com um psicólogo, chegam angustiadas pelas condutas erradas na sua vida (próprias ou de outros), situações que os fazem sofrer, querem saber o que fazer, como atuar para solucionar seus problemas; o que, é claro, piora quando permanece o mesmo e se não os ajudamos a pensar corretamente e mudar suas vidas.
Isso é muito importante para o conhecimento da pessoa e seu bem perfeito, porque temos gerações educadas para agir de acordo com seus afetos e impulsos, que se movem de acordo com o que gostam, por prazer ou porque lhes causam bem-estar. Em alguns casos, há até uma rejeição do papel da razão na vida moral, que, no entanto, eles usam para os negócios, para ganhar dinheiro, para obter posições mais altas, etc., mas não para fazer escolhas sensatas e razoáveis a respeito de sua vida pessoal. Além disso, como diz São João Paulo II na Fides et ratio (n. 45), há uma desconfiança da razão em relação ao conhecimento da verdade, e ele afirma que isso é consequência da “separação desastrosa” entre razão e fé.
O psicólogo deve ter clareza sobre o fim natural e sobrenatural do homem, de maneira que, nas situações concretas, ensine a pensar, a refletir sobre os problemas particulares, buscando os melhores meios para o único fim, que não se elege. Deste modo, o psicólogo deve ajudar a retificar os fins fictícios neuróticos e encaminhar a pessoa para o verdadeiro fim. Como acertadamente afirma Santo Tomás (Cfr. S. Th. I-II q1, a 5 sc) as pessoas se conhecem pela sua direção ao fim, já que o fim configura os afetos e toda a personalidade.
Hoje em dia há um grande desconhecimento da natureza humana, de suas exigências básicas expressadas nos dez mandamentos, e isto porque – além disso, mesmo nas catequeses, muitas vezes não se ensina o decálogo – O pensamento moderno colocou seu centro na liberdade, no homem como um fim em si mesmo, como Kant afirma expressamente em sua obra Antropologia de um ponto de vista pragmático, e a quem Freud segue na construção da psicanálise, e a maioria das correntes contemporâneas de psicologia.
Mas para um verdadeiro conhecimento do agir das pessoas, o psicólogo deve saber que não se pode cumprir a lei natural em sua totalidade, se não com a ajuda da graça. Porque se não, cai no pessimismo de que nunca pode ser bom ou agir bem de forma conatural.
Especialmente para o conhecimento moral (sobre o que precisa ser feito na prática) e para enfrentar uma psicoterapia correta, a virtude da prudência é necessária – como São Tomás bem manifesta (Cfr. S. Th. II-II q 53 a 3) – supõe: memória do passado, inteligência do presente, sagacidade na consideração do futuro, comparação habilidosa de alternativas e docilidade à opinião de outros.
Sem dúvida, para este conhecimento na psicologia, os dons do Espírito Santo e especialmente o dom da sabedoria são necessários, que se refere a uma certa retidão do julgamento, pela conaturalidade com as coisas divinas que é dada pela caridade. Diz Santo Tomás que “A mente humana, ao ser dirigida pelo Espírito Santo, torna-se capaz de dirigir a si mesma e aos outros” (S. Th. II-II q 52 a 2 ad 3).
Porque não podemos dizer que conhecemos bem o homem, sua psique, suas condutas, se não conhecemos o fim sobrenatural ao que está chamado. E neste sentido nos diz o Concílio Vaticano II na Gaudium et spes, nº 22.
Na realidade, o mistério do homem somente se esclarece no mistério do Verbo encarnado (…) Cristo, o novo Adão, na própria revelação do mistério do Pai e do seu amor, revela o homem a si mesmo e descobre-lhe a sua vocação sublime.
Isto é importante porque hoje em dia muitas pessoas que vão ao psicólogo consultam por crises vocacionais que geralmente são expressão de profundas crises pessoais. Há pessoas que são enviadas ao psicólogo para descobrir se têm aptidões para uma determinada vida religiosa; mas há outras que chegam à consulta sozinhas devido a problemas vocacionais: não somente na vida consagrada, mas também matrimoniais. E os psicólogos devem ter um verdadeiro conhecimento do que significam estas situações, têm que ser capazes de discernir e estar cientes da responsabilidade que se encaixa nesses processos, que às vezes são muito complicados. Muitos psicólogos – tratando o problema somente do natural – fazem com que percam sua vocação ou não sejam fiéis a ela.
Por exemplo: em um casamento quando são aconselhados a se separar porque lhes dizem que se casaram com a pessoa errada ou não conseguem manter esse relacionamento porque não os faz felizes, ou na vida religiosa quando são aconselhados a sair porque acham que não têm aptidões naturais para viver bem, mesmo depois de muitos anos de vida consagrada e votos perpétuos.
Às vezes o psicólogo não compreende a vocação sobrenatural porque não pode alcançar o conhecimento da verdade mais alto ao que está chamado o homem. Neste caso deve ter a humildade de reconhecer que pode ajudar essa pessoa, e não tentar “enquadrá-la” em esquemas artificiais que, no fundo, o degradam.
O guia para o verdadeiro conhecimento na psicologia nos dá São Paulo na primeira carta aos Coríntios (I Coríntios 2, 14-15), a partir da qual um profundo tratado sobre gnosiologia poderia ser feito. Ali diz:
O homem psíquico ou natural é abandonado à sua natureza. Em algumas traduções diz “o homem animal”, ou seja, que não é capaz do espiritual. Psíquico é como entendem hoje em dia os psicólogos, somente a parte sensível; como se a parte sensitiva dirigisse a personalidade; até o racional está dirigido ao material e terreno. É uma descrição do que sucede na vida de pecado. No fundo poderia dizer que a psicologia hoje em dia é uma psicologia do pecado.
O que São Paulo diz aqui é que sem a graça não se entendem as coisas do espírito. O que conhece o homem espiritual e o que é capaz de julgar, o homem carnal não pode entender. O homem espiritual discerne tudo (do grego anacrinei). Quer dizer que pode distinguir, separar o bom do mal. O mundo – sem o Espírito Santo, ou seja, sem a vida na graça – não pode ver que o outro é bom, por isso Cristo mandou o Espírito Santo. O homem “psíquico” não pode discernir as coisas espirituais, “são loucuras para ele” nos diz o Apóstolo. Não pode conhecer o que vem a ser a graça – como a vocação sobrenatural, tanto consagrada como ao matrimônio – porque a confunde com outras coisas, vê como mal ou, igual ao terreno, já que o que conhece é somente em relação ao mundano. Isto é claro nos psicólogos mais importante de nosso tempo, como Freud, ou mesmo os que criticam a psicanálise – como por exemplo Frankl e muitos outros – mas que sempre são incapazes de compreender a vida da graça em todas as suas manifestações. E isto não somente sucede com a vocação religiosa, mas também na vocação ao matrimônio, que hoje em dia se confunde e é colocada ao mesmo nível que a convivência, a chamada fragilidade ou irregularidade, ou, mais simplesmente, com concubinato ou adultério.
Se não discerne segundo o Espírito Santo, nos diz São Paulo, fica-se confuso e interpreta-se tudo de acordo com o fator mundano. Assim se estuda a psicologia hoje em dia; como uma análise do homem psíquico, ou seja, do homem mundano que não capta os movimentos da graça. Ou como passa no racionalismo moderno – e na psicanálise é uma espécie de racionalismo neste sentido – que substitui o movimento da graça pelo da razão, como muito bem afirma I. Andereggen em seu livro de Gnosiologia. Há que recordar que não há natureza estática, o homem se move pela graça ou cai na inércia do pecado. Este é o verdadeiro dinamismo psíquico. Na condição do homem atual não existe uma situação intermediária entre o pecado e a graça.
Sem a graça é impossível compreender o homem, as motivações mais profundas e o fim de suas condutas, porque não podem entender as coisas espirituais. O homem espiritual, por outro lado, é capaz de avaliar as coisas profanas e espirituais; o homem carnal, só pode discernir as coisas materiais porque lhe falta a luz do Espírito Santo.
Somente quem tem o Espírito Santo se sente capaz de julgar, compreender a realidade e não a confunde. O bom é bom e o mal é mal. Mas São Paulo também nos diz que ninguém pode julgar o espiritual; isto é, ninguém o compreende, porque eles o vêem distinto do mundo e não o entendem.
É por isso que hoje tão pouco se entende o desdobramento da vocação sobrenatural. Tanto os leigos como as pessoas consagradas que são fiéis à Verdade, como bons casamentos abertos ao dom da vida, sentem-se incompreendidos e certamente muitas vezes ridicularizados e até mesmo perseguidos, porque são julgados segundo critérios mundanos, que são estruturas do pecado.
Aqueles que não têm o Espírito Santo confundem o pecado com a graça; os comportamentos próprios do pecado – e até os sérios contra a natureza – e os comportamentos motivados pela graça. Além disso, muitas vezes – como se fossem da mesma natureza – eles vêem uma continuidade entre eles, como se estivessem no mesmo nível apenas com uma diferença de grau, ou mesmo com o pecado superior à graça. Por exemplo: quando hoje se pensa que um concubinato pode levar ao casamento e entre os dois comportamentos existe apenas uma gradualidade. O matrimônio sacramental não é
o final feliz da fornicação e da luxúria. Também não se pode presumir que as pessoas que vivem em adultério – e muitas vezes com grandes injustiças para seus verdadeiros cônjuges e filhos – estejam crescendo na vida espiritual e possam ser mentalmente saudáveis. Nem se pode falar sobre matrimônio quando são duas pessoas do mesmo sexo ou família quando adotam crianças. Essas são as terríveis confusões em que vivemos hoje e muitas vezes baseadas em princípios psicológicos das correntes contemporâneas.
Somente a conversão pode mudar o comportamento do pecado para a graça. Uma metanoia verdadeira é necessária, como o psiquiatra Rudolf Allers muito bem afirmou.
O espírito mundano leva o psicólogo – e a cultura atual que está muito psicologizada – a interpretar a lei como algo externo e repressivo, a lei natural e especialmente a lei evangélica. Isso é claramente visto em Freud, que segue Nietzsche. É por isso que ele diz em O mal estar da cultura (1930) que a cultura cristã é o que nos faz doentes: por um lado, porque reprime a sexualidade e a agressão, promovendo a família heterossexual e monogâmica e, por outro, postulando o preceito irrealizável do amor ao próximo, que – segundo Freud – é digno de ódio. Além disso, ele diz que no inconsciente há sempre o desejo de matar o próximo (em Considerações da atualidade sobre a guerra e a morte, 1915). Jacques Lacan dirá que o que todos podem fazer é o mal, e por isso que não há o Supremo Bem, mas o mal supremo e um Deus que fez as coisas erradas.
O espírito mundano recebe a influência diabólica, especialmente na ordem afetiva.
A mente sujeita ao “espírito do mundo” – que é o demônio – é uma mente estreita, deformada, dirigida para as coisas terrenas. Há uma conaturalidade com o diabólico, uma sintonia com o mundo através do afetivo que é como o demônio interfere no juízo. O espírito do mundo reverbera na mente humana e faz as pessoas ou situações parecerem boas ou más, mas muitas vezes erradas ou vice-versa. E é isso que a psicologia estuda. O próprio Freud não hesita em dizer que o inconsciente – que move os afetos do “fundo” – é o demoníaco. Mas é o afeto que é configurado com a vida mundana.
Como não se quer reconhecer o Espírito Santo e a vida da graça – porque para os psicólogos é algo que corresponde à ciência teológica e não permitem que a psicologia seja aperfeiçoada pela Teologia – a psicologia atual aparece como uma ciência que estuda esta configuração da afetividade e da imaginação (indiretamente da inteligência) pelo espírito mundano. É o que faz Freud na psicanálise e o fazem também as outras correntes. Freud usa muitas vezes a palavra “espírito”, mas não se refere ao Espírito Santo.
É como se o diabo guiasse as mentes das pessoas. E isso é como viver um inferno, mas sem a consciência clara do bem perdido (como acontece no inferno). É por isso que aparecem sintomas de angústia, medos e até mesmo patologias graves que já estão estruturadas. Porque o espiritual não fica doente. Em sua perfeição, o espiritual não tem patologias psíquicas, por outro lado o mundano sim. Obviamente, atingir a plenitude espiritual requer um caminho que dura a vida toda, com situações intermediárias de progresso e retrocessos. Só o santo está livre da neurose. Rudolf Allers, em um artigo intitulado Aridez-sintoma Aridez-estado, afirma que para conhecer uma personalidade deve ser vista em sua totalidade. Para fazer um diagnóstico é necessário conhecer sua vida espiritual. A depressão não é a mesma em uma pessoa que vive em pecado mortal, como em uma pessoa que está crescendo espiritualmente, que tem uma vida sacramental, uma vida de oração e que pode estar passando por uma noite escura (como o muito bem
descreve o padre I. Andereggen em suas publicações). Sintomas neuróticos semelhantes podem aparecer, mas para fazer um diagnóstico correto é necessário conhecer as causas e, em ambos os casos, são totalmente diferentes. O prognóstico também é diferente porque quem está passando por uma noite escura está indo muito bem e precisa seguir em frente. O verdadeiro neurótico, pelo contrário, tem que mudar sua vida.
Por tudo isso, o conhecimento que a Psicologia deve ter para encontrar a verdade do homem e seus comportamentos – de uma maneira mais prática, como é compreendida hoje – não se esgota em uma única ciência, porque vemos que ela não pode abranger os aspectos mais importantes de sua existência e não consegue entender sua realidade mais profunda. Talvez devêssemos falar sobre ciências psicológicas – incluindo biologia, sociologia, filosofia, teologia – e, no final, reconhecer a teologia – especialmente espiritual e moral – o papel central na verdade sobre o homem e o movimento para o fim. Que ademais é necessário esclarecer que eles têm o mesmo objeto último, que é o conhecimento da operação da psique.
O que existe hoje como Psicologia, não responde ao conhecimento da realidade do homem, mas apenas mostra os comportamentos do pecado. E, no entanto, o conhecimento é pobre, porque, como Aristóteles disse: “Os homens são bons apenas de um jeito, maus em muitos”, e isso justifica a proliferação de correntes ou teorias psicológicas que existem hoje, que se criticam mutuamente e muitas vezes até se contradizem, sem saber nada sobre a psique do homem.
No versículo 16, São Paulo aponta que temos a mente de Cristo, isto é, a inteligência de Cristo. Somente participando de sua mente entendemos a realidade e especialmente a realidade do homem e podemos, assim, fazer uma verdadeira psicologia.
Zelmira Seligmann, “O conhecimento da verdade na psicologia”, 2018, trad. br. por Rafael de Abreu Ferreira, Itaboraí, Rio de Janeiro, Brasil, abril 2018.
Uma resposta
Olá, boa noite.
Sou psicóloga e parei de atender quando voltei a frequentar a Igreja e me confessei depois de muitos anos. Depois do alívio que senti após a confissão não consegui mais atender bem. Como posso indicar para uma pessoa que nem acredita em Deus que ela se confesse?
Com a minha experiência na confissão e outros sacramentos não conseguia mais atender sabendo que tudo que eu estava ouvindo poderia ser facilmente resolvido.
Enfim, agora estou pensando em voltar a atender, mas ainda não consigo saber como vou atender pessoas que não acreditam em Deus, ou se acreditam, não se entregam verdadeiramente às verdades.
Está bem difícil pra mim esta questão, e lendo o artigo acima percebi que realmente esse meu dilema faz sentido, pois quem não está ligado ao Espírito Santo não vai conseguir aliviar as suas angústias…
Difícil…